Case de uma IES: Mudando para o Moodle
Este artigo foi motivado por um pedido do Moodle HQ (quartel general do Moodle) para que eu enviasse descrição de casos de sucesso de nosso serviço envolvendo a plataforma. Como temos que respeitar um contrato em que detalhes sobre o que fazemos para nossos clientes não são tornados públicos, a forma como encontrei de atender ao pedido do Moodle HQ foi encaminhar um caso genérico, sem identificação do cliente, usando números próximos (não exatos), que envolvem um cliente específico porém anônimo.
Para argumentar sobre a capacidade do Moodle em atender grandes demandas, tenho um caso bem típico, de instituição de ensino superior que reúne 13 faculdades espalhadas pelas regiões sudeste e centro-oeste do Brasil, totalizando 35 mil alunos. A instituição pagava, em 2019, quase um milhão de reais por ano de licenciamento da plataforma com tecnologia proprietária. Chamemos essa tecnologia de plataforma B (pois o Moodle é a plataforma A).
A pandemia trouxe insegurança financeira para o citado cliente, por conta das incertezas do que ocorreria ao longo de um evento inédito no último século. Aproveitando um momento de renovação contratual com a plataforma B, o diretor de tecnologia da instituição convenceu o restante da diretoria a abraçar o Moodle.
Foi uma correria, pois tínhamos menos de um mês para montar a infraestrutura (o que é algo relativamente rápido) e migrar os cursos da plataforma B para o Moodle (algo bem mais demorado). Implementamos uma rotina de migração dos cursos, disponibilizamos conhecimento em forma de cursos online para os professores da instituição, demos o suporte para dúvidas, e a migração dos cursos foi feita com o esforço distribuído entre o corpo docente. A migração dos cursos já estava quase pronta quando houve a virada de chave, do fornecedor da plataforma B para o Moodle, tendo a GFarias como consultoria e suporte técnico e pedagógico.
Fizemos uso da infraestrutura da AWS (Amazon Web Services), a qual, dentre as diversas opções com as quais já trabalhamos, é de longe a mais confiável para aguentar a demanda elástica de milhares de acessos simultâneos, embora não seja a mais barata. O modelo de contratação foi sobre nosso serviço de gestão da nuvem da AWS, a qual foi contratada diretamente pelo cliente. Ou seja, a percepção de propriedade sobre a plataforma e os dados gerados pelo seu uso continuou com o cliente. Caso não déssemos conta adequadamente do serviço, era só trocar a gestão da nuvem. Mas pelo jeito fizemos um bom trabalho, pois o cliente está conosco até hoje.
Se da noite para o dia, em 18 de março de 2020 (quando foi oficializada a pandemia no Brasil), o cliente teve que incorporar 80% dos seus estudantes presenciais às práticas de educação a distância, também houve a ruptura da tecnologia utilizada, da plataforma B para o Moodle. Até final de abril daquele ano, o cliente reduziu, de uma hora para outra, uma conta anual de quase um milhão de reais, para apenas trezentos mil, incluindo o custo de AWS e nosso serviço.
A nuvem da AWS funcionou muito bem, com picos de 14 mil acessos simultâneos ao banco de dados. Hoje, após o fim da pandemia, o pico é de 9 mil. Os professores se adaptaram muito bem ao Moodle e houve a clara percepção da superioridade do Moodle sobre a plataforma B no que diz respeito a funcionalidades pedagógicas.
Mas a mudança foi alvo de pressão do fornecedor da plataforma B, citando a integração nativa da plataforma B com o seu sistema próprio de videoconferência. E isso foi uma crítica muito impactante, por estarmos nos primeiros meses de pandemia, onde o conceito de “ensino remoto” dependia muito de videoconferência. Afinal, se tratava de levar para o virtual as práticas do ensino presencial: aulas remotas ao vivo (com chamada de presença), horários rígidos a cumprir (pouco ou nenhum assincronismo nas atividades pedagógicas), avaliações com provas online supervisionadas, etc.
Sem querer entrar em discussões taxonômicas (ensino x educação), mostramos que a característica do Moodle em ser aberto, propiciava muitas opções de videoconferência. O cliente tinha como escolher as diferentes tecnologias que podiam ser integradas naquele momento: BigBlueButton, Cisco Webex, Microsoft Meetings, dentre outras. Eram tempos de Zoom bombing, termo usado para se referir a invasão de salas de videoconferência por pessoas não autorizadas para prática de vandalismo digital. Por isso, o cliente acabou usando o Cisco Webex, de longe por mim considerada a melhor tecnologia para videoconferência, embora não seja nem a mais leve, tampouco a mais barata. Mas a economia gerada pela libertação do contrato com a plataforma B era muitas vezes maior que o investimento necessário ao uso do mais poderoso sistema de videoconferência.
O uso do Moodle como nós implementamos fez o cliente passar incólume pela pandemia, tanto em termos de retenção de alunos, quanto em redução de custos. E ainda teve a vantagem de melhorar a prática pedagógica, pois o Moodle se mostrou muito mais sofisticado do que a tecnologia proprietária para promover entrega de conteúdo, interatividade, interação entre participantes e avaliação de aprendizagem. Enfim, o cliente descobriu que o Moodle tinha poder muito maior de promover uma aprendizagem significativa e de melhor qualidade que a plataforma B, considerando os mesmos cursos, mesmo conteúdo e mesmos participantes (docentes e discentes).
Eu também aprendi muito, pois tive que adentrar no mundo da plataforma B e quase me tornar um especialista no seu uso. Pois tive que aprender a usar tal tecnologia proprietária, para depois lançar as diretrizes de migração dos cursos para serem seguidas pelos professores. O que aprendi? O quanto o Moodle é superior à plataforma B em termos de modularidade funcional, flexibilidade pedagógica, amigabilidade de interface do usuário e, para felicidade do cliente, custo total de propriedade (Total Cost of Ownership).
Para quem leu “amigabilidade de interface do usuário” e não entendeu, eu explico. O Moodle muitas vezes é criticado por ser complicado demais, pouco amigável para usar, com acentuada curva de aprendizagem para se dominar a ferramenta. Mas isso é uma questão de estratégia de implantação. No caso aqui descrito, nós que lidamos com o Moodle todo dia, o dia todo, configuramos adequadamente a instância do cliente para evitar essas más e falsas impressões. Desabilitamos funcionalidades que apenas serveriam para demonstrar a robustez e riqueza funcional do Moodle, mas que estressaria na aprendizagem do seu uso por novos usuários.
Enfim, ajustamos o Moodle do cliente para que seus docentes e discentes tivessem o menor impacto possível com a mudança, em termos de demanda de aprendizado no trato de uma nova plataforma. Nos meses subsequentes, voltamos a ativar algumas funcionalidades, aos poucos, para dar tempo a todos os professores se acostumarem com as novidades. E assim a plataforma conquistou mais um cliente, mais um punhado de professores e mais um monte de estudantes. Mais usuários para engordar as estatísticas do Moodle no Brasil, onde é usado pela maioria das instituições de ensino superior, das quais em TODAS destas que são públicas federais, replicando o seu sucesso a nível global.
É por casos assim que eu realmente não entendo como instituições de ensino superior, que contam com recursos humanos para fazer análise comparativa do Moodle com outras tecnologias, ainda pagam uma fortuna todos os anos para usar tecnologias proprietárias. Gastando bem mais para ter um fornecedor “sócio”, na medida que pagam com base no número de usuários. Além de criar uma dependência tecnológica com um único fornecedor que estrategicamente não é nada interessante.