ChatGPT e a Educação

Já adianto que este artigo é minha opinião e, até por isso, não foi escrito com auxílio do ChatGPT, embora já esteja usando a versão plus dessa inteligência artificial (IA). Mas o foco deste artigo é dar minha impressão sobre o impacto sobre os processos de ensino aprendizagem com a revolução ocasionada pela liberação de acesso a uma IA tão sofisticada como o ChatGPT.

Apesar de tal liberação ter sido feita a pouco mais de dois meses (30 de novembro de 2022), o ChatGPT já mostrou que é uma tecnologia diruptiva, que vai mudar o modo como lidamos com tecnologia para toda as finalidades. Bastaram 5 dias para alcançar a marca de 1 milhão de usuários. Enquanto isso, para chegar no mesmo patamar, o Netflix demorou 3,5 anos, o Google precisou de um ano inteiro no final dos anos 90, o Spotfy gastou 5 meses, o Facebook precisou de 10 meses, e o Instagram só precisou de 2,5 meses porque teve intensamente a ajuda do Facebook. Apenas 2 meses depois, o ChatGPT alcançou a marca de 100 milhões de usuários, algo que o Tiktok só consegui com 9 meses, o Facebook teve que esperar 5 anos, e o Instagram demorou 2,5 anos, mesmo com a ajuda com Facebook.

Mas não é só a explosão de usuários em curtíssimo tempo que indica que essa tecnologia veio para mudar nossas vidas. Bigtechs do mundo inteiro estão nervosas. O Google foi pego de surpresa, deitado em berço esplêndido com seu modelo de negócio baseado em publicidade para quem faz uso de seu engenho de busca, algo extremamente rentável, teve que se apressar para anunciar o Bard, nome do concorrente do ChatGPT. O anúncio, feito em demonstração para jornalistas, foi um fiasco, cometendo um erro ao vivo, a IA do Google deu uma resposta errada sobre tecnologia espacial. As ações da empresa despencaram 8% logo em seguida. Os chineses, como o Alibaba, Baidu e a Netease, que achavam que estavam com cacife de concorrer em IA com os americanos, também ficaram atônitos, Também se apressaram para anunciar a liberação de serviços semelhantes. A Baidu, o “Google chinês”, já anunciou o Ernie já para o mês que vem. O Alibaba anunciou o lançamento de um produto competidor para o segundo trimestre deste ano. Porém, mais do que demonstrar capacidade de competir, tais iniciativas demonstraram que tais Bigtechs foram pegas de supresa, e não estavam preparadas para uma disrupção tão cedo.

Para fechar essa introdução, o fato do ChatGPT ser matéria (longa) no Jornal Nacional, o minuto mais caro da TV brasileira, também é outro indício de que não se trata de mais uma novidade tecnológica entre tantas que surgem todo mês no mercado. Para ser claro, estamos num momento de transição diruptiva, e rápida, tal como no passado ocorreu com a popularização de smartphones no início dos anos 2010, ou o uso do Google no final dos anos 90, ou mais atrás, com a ampliação do uso de microcomputadores no final dos anos 80. Como tenho idade suficiente para ter vivido cada momento de ruptura destes citados, sei do impacto que isso trás para as relações sociais, o trabalho e a educação, dentre outros tantos aspectos da sociedade.

E como fica a educação nisso?

A primeira reação naturalmente foi a negação, tal como ocorre como ser humano no trato com processos de choque, de mudança brusca. Distritos educacionais norte americanos foram os primeiros a proibir o uso do ChatGPT, como se isso fosse eficaz. A revista Nature publicou um artigo mostrando o quanto o uso de tal tecnologia está mexendo com o mercado editorial científico. Mais realista que os anteriores, um artigo da Universidade da California cita que “será impraticável tentar banir ou impedir o uso do ChatGPT. As ferramentas de IA vieram para ficar. Eles vão melhorar e se tornar cada vez mais importantes em todas as disciplinas“. Mas aí vem o questionamento sobre o valor de um diploma se ferramentas como o ChatGPT e companhia podem fazer a maior parte do trabalho de um graduando.

Para quem já viveu outros momentos diruptivos em tecnologia, é possível encarar este momento como sendo mais um em que a tecnologia invade nossa rotina e muda significativamente nossa forma de viver, de trabalhar, de produzir. Eu lembro de um tempo em que o professor proibia a entrega de trabalhos impressos feitos com uso de microcomputador. Aceitava apenas textos datilografados ou manuscritos, pois textos gerados digitalmente não tinham como deixar clara a sua autoria. Tempos depois (já não era mais estudante), vi professores proibirem o uso de celulares em sala de aula. A alegação era que aquilo desviava a atenção dos estudantes.

Estes dois exemplos já mostram que tentar resistir ao uso de tecnologias diruptivas é algo inócuo. A autoria de textos digitalmente criados sofreu o escrutínio de ferramentas antiplágio, e os celulares acabaram se tornando equipamentos essenciais para o processo de ensino aprendizagem. Isso ocorreu pelo menos para professores que sabem lidar com a tecnologia, transformando algo ameaçador em um aliado do processo educacional. Embora ainda não tenha uma visão definitiva de como algo semelhante ocorrerá com o uso da IA, já há indícios a respeito. Mal o ChatGPT começou a fazer sucesso, e já tem ferramenta para verificar se o texto foi gerado por IA, tal como ocorre com verificadores de plágio. Como é o caso do ChatGPT Zero, que faz tal checagem.

Entretanto, mais importante do que ter ferramentas de vigilância sobre o uso, ou não uso, de uma ferramenta tecnológica, é melhor entender como ela funciona e tirar melhor proveito educacional da mesma. A ignorância sobre a inovação acaba resultando em decisões equivocadas sobre como lidar com ela. Por isso que já faz algumas semanas que pesquiso o uso de IA para fins acadêmicos e educacionais, contando com a colaboração de pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Mídia e Conhecimento, da UFSC, do qual sou egresso e colaborador.

Inteligente, pero no mucho

Após alguns experimentos e alguns diálogos com outros pesquisadores, posso afirmar que, a princípio, seja por limitação ou por imposição, a IA do ChatGPT não é tão inteligente quanto alguns incautos podem imaginar. Baseado em teorias da área de Redes Neurais, o que ele faz muito bem é correlacionar dados, gerando encadeamentos lógicos de forma bastante eloquente para a construção de um texto. Porém, não é capaz de dar opinião, de defender um posicionamento sobre algo. O que impressiona, inclusive a mim, é a capacidade de ligar conjuntos de dados, encadear ideias previamente prontas, mas não é capaz de deduzir, de gerar novas ideias, pelo menos por enquanto. Assim, é até louvável o temor está na educação básica, e precisa aprender a narrar ideias através de seus textos. Ainda está desenvolvendo competências em narrativa e na mecânica textual, algo que a IA faz muito bem e pode inibir o desenvolvimento de tais competências pelo aluno.

Porém, não se pode temer (ainda) que geração de ideias e posicionamentos de opinião possam ser terceirizados por estudantes que usam IA. Desta forma, se a preocupação de professores de educação básica é justificável, pois os seus estudantes precisam desenvolver competências no que o ChatGPT faz bem: encadear ideias, gerar narrativas em forma de texto com mecânica já resolvida. Já os professores do ensino superior não têm tanta preocupação neste aspecto, pois o seu foco é fazer o estudante aprender a encadear ideias para gerar outras, formar opinião, criar visão crítica sobre problemas e propor soluções. O ChatGPT pode realmente gerar textos com uma boa (não ótima) coerência e coesão, com transições de parágrafos bem estruturada, incluindo busca de fontes realizada (e nem sempre confiável), mas não consegue inovar na sua narrativa, não dá opinião, não gera ideias.

Desta forma, não se pode achar que o uso de um ChatGPT ou similar vai permitir que a IA faça um trabalho pelo estudante. No máximo facilitará sua estruturação, sua busca de referências, a construção do esqueleto de sua narrativa, do encadeamento de ideias, desde que essas já sejam ideias pré-concebidas. Mas a essência da aprendizagem ainda será algo muito dependente do estudante e de sua inteligência humana. Por enquanto (fevereiro de 2023), o máximo de vantagem que o mesmo pode tirar da IA é ganhar tempo, produtividade na parte “braçal” da construção do conhecimento, mas a sua essência ainda é uma atividade humana.

Talvez o problema maior esteja na forma como avaliar este conhecimento e não no ferramental utilizado. Pois na medida em que a avaliação da aprendizagem é feita de forma medíocre, baseada meramente na memorização, ou em pouco mais do que a construção mecânica da narrativa, então realmente a IA pode invalidar tal avaliação. Mas na medida em que essa avaliação exigir demonstração de competências que a IA ainda não pode oferecer, então não há de se temer no uso da mesma, mas sim incentivar isso. Afinal, a competência não é adquirida com as atividades mecânicas que computadores fazem muito melhor que humanos, mas sim com a congruência de tais habilidades para destinação específica na solução de um problema. Desta forma, metodologias ativas de aprendizagem certamente são mais imunes ao uso indevido de IA na educação, enquanto metodologias passivas estão totalmente em xeque com a popularização delas. Seguindo esse raciocínio, talvez, e apenas talvez, a problemática esteja focada de forma equivocada, pois está no estudante usar IA como ferramenta para promover e facilitar a aprendizagem, e não na metodologia utilizada para tal.

Minhas primeiras impressões

Após várias semanas testando o ChatGPT, inclusive a versão paga (mais recentemente), seguem as minhas primeiras impressões, no contexto de um curso sobre o impacto da Educação Online na Transformação Digital (e vice versa) que estou montando:

  1. Produtividade: Os textos gerados são de grande ajuda para quem precisa começar algo do zero. Acaba o drama do cursor piscando em uma área de texto em branco, e se reduz o trabalho de montagem de mapas conceituais para a estruturação das ideias a serem escritas. Mesmo gerando um texto sobre um tema no qual tenho dois doutorados (e portanto acumulo quilômetros de páginas lidas/estudadas a respeito), a ferramenta é de grande ajuda ao montar uma grade de conceitos sobre um tópico rapidamente, poupando tempo e esforço para lembrar de todos aqueles itens, de encadear as ideias que eles representam.
  2. Abordagem rasa: O que ele gera, na sua maior parte é o óbvio. Foram necessárias muitas interações para forçar a IA a me dar informação mais aprofundada sobre um determinado tema relacionado à minha especialidade. Note que isso só é possível quando se entende previamente sobre o tema. Se eu fosse fazer o mesmo sobre genética ou física quântica, sobre os quais pouco entendo, não iria muito além da rasa narrativa inicial provida pela IA.
  3. Aprofundamento com interação: Não a toa que se chama ChatGPT (chat = conversa), pois, tal como citei acima, a abordagem inicial da ferramenta é rasteira. Apresenta o óbvio e, mesmo assim, de forma incompleta. Várias vezes tive que pedir para que escrevesse mais, direcionando o que tinha que incluir em seus textos (usando minha inteligência, não a da máquina). Mesmo assim, chega um ponto em que você começa a perceber que chegou no limite da IA, quando ela começa a repetir respostas que já tinha dado.
  4. Informações erradas: No caso foi com o uso de outra ferramenta de IA, paga (quando ainda não tinha o ChatGPT plus), que fiz uso para testar e, ao mesmo tempo, para construir o texto que precisava. Prefiro não citar qual ferramenta cometeu o erro, mas ele foi crasso. A IA listou as quatro revoluções industriais, indicando a segunda (de fato tendo ocorrido em meados do século XIX) como tendo ocorrido nos anos 50 do século XX, após a segunda guerra mundial. E por isso acabou errando os marcos temporais das revoluções industriais seguintes. Foi uma decepção, até porque, ao contrário do ChatGPT, a ferramenta que gerou esse texto errado tinha acesso à Internet, e supostamente podia contar com ferramentas de checagem múltiplas.
  5. Em inglês é melhor: Fiz testes com diálogos sobre o mesmo tema, com a mesma abordagem, em diferentes idiomas. Percebi que há uma indubitável supremacia dos textos quando o diálogo ocorre em inglês. Isso dá uma grande vantagem para usuários dominantes do idioma de Shakespeare.
  6. Tradução boazinha, mas ainda ordinária: O tradutor é melhor que o do Google Translate, mas nem por isso deixou de cometer pequenos erros que, se não sofrerem revisão, podem comprometer um artigo. Por exemplo, ele traduziu uma das metodologias para análise, planejamento e tomada de decisão em projetos chamado 6 Thinking Hats para 6 Pensamentos e não para 6 Chapéus do Pensamento.
  7. Melhor quando usado em certas tarefas: roteiros, tradução, listagem, busca bibliográfica bem definidas, são algumas das tarefas com melhor foco que dão a produtividade já citada com menos chance de haver divagação dos resultados.
  8. Suscetível a más influências: Não é o caso do ChatGPT que tenho usado, pois o mesmo tem uma base de dados fixa de 45 TB (tera bytes) de dados fechada. Por mais superlativo que esse número signifique em termos de volume de dados, certamente cada informação contida nesta base passou por escrutínio antes de ser nela alocada. Mas não é o caso das outras IAs que tenho experimentado, que têm acesso à consulta em tempo real à informações publicadas na Internet. Nestes casos, com base nos princípios de funcionamento de redes neurais, não há garantia de que uma fakenews não seja tratada como verdade, ou que meias verdades sejam consideradas certezas.
  9. Sem menção à autoria: as informações consolidadas pela IA são apresentadas sem as devidas referências, especialmente quando não há o devido foco supracitado. Houve caso em que questionei exemplos de uso da metodologia de Design Thinking (DT) para a solução de problemas de mobilidade urbana e o ChatGPT respondeu com uma descrição de um caso aplicado na América Latina. Quando questionei qual foi o caso específico, e sobre referências bibliográficas sobre o mesmo, ele acabou revelando que se tratava de uma mistura de uma coleção de casos de aplicação de DT em diferentes cidades da América Latina. Por isso, afirmou que não poderia fornecer as fontes utilizadas para compor o texto. Isso é um problema para a escrita científica, onde o conhecimento precisa ser expresso com referenciamento preciso das fontes bibliográficas. Algo que é importante até mesmo para checagem do processo de consolidação realizado pela IA, de forma a evitar o consumo de informação com viés científico, ideológico ou mesmo fakenews, também já citados. Além do mais, o uso de um conteúdo consolidado por IA expõe alguém ao plágio involuntário. Assim sendo, fica até difícil determinar de quem é a responsabilidade por tal violação de direitos autorais: ao usuário da IA ou o fornecedor da mesma?
  10. Limitado filosoficamente: como observou um colega do grupo de pesquisa GPMC/UFSC, doutor em Filosofia, ao questionar o próprio ChatGPT sobre os fundamentos filosóficos que baseiam seus textos, é demonstrada a fragilidade da ferramenta no aprofundamento da narrativa necessário à textos acadêmicos mais densos. O próprio ChatGPT explicita que não tem capacidade de dar tais respostas, pois não tem capacidade crítica sobre o que escreve, apenas liga dados logicamente relacionados. Resta tirar proveito de sua alta capacidade de formatar a lista de referencial bibliográfico, seja APA, Vancouver, ABNT ou qualquer outro formato de citação bibliográfico relevante.

Conclusão

Saberemos se minhas primeiras impressões e preocupações sobre ChatGPT especificamente, IA de forma geral e seu uso da educação numa visão mais ampla está certa num futuro não muito distante. Na medida em que vermos a presença avassaladora de tais ferramentas no dia-a-dia do estudante, teremos mais clareza sobre até onde vai essa ferramenta e o quanto ela pode ser benéfica ou maléfica para a educação. Porém, certamente que a prática didática que preconize o uso de tais ferramentas, e estudos que mostrem sua eficiência e eficácia no desenvolvimento de competências perseguidas no processo de aprendizagem, trará luz sobre minhas o quão corretas estão minhas primeiras impressões.

Mas antes que tais conclusões se concretizem, mal posso esperar para ver ambientes virtuais de aprendizagem integrados à IA de diferentes fornecedores. Assim, especialmente em cursos de natureza construtivista sociointeracional e conectivista, poderemos utilizar ferramentas como o Moodle com muito mais proveito. Teremos fóruns com participação de chatbots (como o ChatGPT), onde a IA será aquele participante “sabe-tudo”, mas serão os estudantes que farão conexão de ideias, que opinarão, que criticarão (inclusive ao texto da IA). Poderemos impulsionar a aprendizagem adaptativa (termo tão prejudicado por visões medíocres sobre o seu significado), propiciando virtualmente um processo de aprendizagem individualizado. A avaliação da aprendizagem seguirá para outro patamar, com chatbots fazendo a análise da narrativa de respostas à questões abertas, sendo uma grande ajuda para o professor ou tutor nos processos de avaliação de respostas subjetivas. Não demorará muito antes que surjam os plugins do Moodle para integrar a plataforma com tais serviços. Eu mal posso esperar.